Quando ainda não vivia por mim mesma, lembro de te esperar. Passei meses esperando - sentada, entre as lágrimas que nunca secavam, na ilusão de que estendia uma mão para eu me agarrar. Muitas vezes foram as que eu percebi que você havia me atirado de um abismo sem fundo, e numa delas - eu me lembro. Foi na exposição do Queer Museum, que você não foi porque sempre estava do outro lado do planeta. O 538 nos tremeliques me lembrava o tempo todo da minha solidão de mulher separada de si e a umidade do Parque Lage me sufocava mais que minha própria voz. Passei dez minutos na frente de um painel do Leonilson que dizia, e nunca me esqueço, “o deserto, o oceano / os rapazes, as poesias” na bainha do pano, com a certeza que dali em diante tudo seria diferente, me libertaria das amarras. Uma vez fora da atmosfera mitológica do parque, me desfiz por inteira no caminho de volta pra casa, era noite e eu era irremediavelmente a mesma.