Existia um casal muito apaixonado que não se desgrudava, pareciam siameses de tão juntos. Acordavam juntos, comiam, banhavam-se, trabalhavam, estudavam, dormiam juntos. Onde um estava o outro também se fazia presente, e foi assim por um longo tempo. O casal não brigava, não se chateava, pelo contrário, adoravam a companhia um do outro. 
 O casal permanecia tanto tempo junto que passaram a ficar parecidos, mas não somente nos costumes e manias, os traços físicos começaram se espelhar. Os traços de seus rostos começaram a ficar similares, o casal passou a fazer o mesmo corte de cabelo, as roupas, os óculos. Tive a impressão de que o rapaz diminuiu um pouco e a menina cresceu alguns centímetros. Passaram a ler os mesmos livros, ouvir as mesmas músicas. Era como se fosse uma mesma cabeça pensante em duas pessoas.
O único traço que separava o casal era o nome próprio, isso porque os signos são arbitrários, mas se fossem orgânicos, com certeza teriam sofrido a mutação grotesca, resultado da união bizarra do casal. 
Certo dia, a menina acordou e foi escovar os seus dentes, mas dessa vez perdeu quarenta minutos se olhando no espelho, se perdeu no tempo olhando para o próprio reflexo apaixonada, mas seu amado quebrou o transe ao chamá-la, e ela amou ouvir uma voz tão linda, linda igual a dela. O menino, perto da hora de dormir, foi tomar o seu banho, e voltando, enrolado na toalha, ficou impressionado com a criatura linda que estava sendo refletida no espelho de seu quarto. Sua amada quebrou o transe quando passou por trás dele, e ele foi sentir de perto o cheiro maravilhoso que sentiu, cheiro igual ao dele.
Os dias foram passando e os transes em espelhos começaram a ficar mais frequentes, mas o casal apaixonado não percebia o que vinha acontecendo, até que os dois decidiram ir à Casa Gourmet, em Botafogo, na loja Tokstok. Precisavam de um grande espelho, e como um não discordava do outro, lá foram comprar o grande refletor de suas magnitudes. Os dois eram um e um era os dois. O casal estava apaixonado por si e pelo outro. Comprariam um só grande espelho, mas na hora decidiram comprar dois espelhos porque começaram sentir ciúmes do outro olhando o seu reflexo, e ficaram com medo de perder o seu amado para o próprio reflexo no espelho. 
A relação foi ficando cada vez mais estranha, começaram aparecer dos dois lados declarações amorosas para os próprios reflexos, começaram a se distanciar, passaram a comer de costas, olhando para os seus reflexos, dormiam, tomavam banho, iam trabalhar, tudo com os seus espelhos, olhando apenas para si. O casal ficou semanas sem conversar, não se ouvia uma palavra sequer naquela casa. 

Certo dia, o casal se sentou, cada um com seu espelho, de frente para a lagoa Rodrigo de Freitas, e começaram a declamar declarações de amor para si, mas os próprios reflexos, até o momento que o rapaz deixou o espelho cair na água, e com os respingos, a menina teve o seu transe rompido, e foi quando os dois puderam ver as suas faces refletidas na água, ambos puderam ver que ali ficaram muito mais belos do que no espelho, estavam lindos, o reflexo era grande, e em uníssono, numa espécie de hipnose, o casal repetia sem fim “O infinito dos seus olhos me faz encontrar o infinito dos seu olhos…” e como as vozes eram idênticas não se sabia muito bem quem dizia, quem parava para respirar, e com tanto amor por si, e sem se dar conta do que havia em volta, o casal despencou procurando o reflexo do seu amado eu, e num beijo eterno e mortal se foram. Foram iguais.

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